quinta-feira, 14 de julho de 2011

Seleção natural de Darwin

“Aborto em curso”, escreveu nesta manhã, conclusivo, o médico sobre o papel.
Às duas horas da manhã Maria acordou em pranto inconsolável. Eduardo tentou fazê-la voltar a dormir em seu quarto. Eu tentei fazê-la voltar a dormir em seu quarto. Mamadeira, mais cobertor, menos cobertor. Eduardo tentou de novo. Pranto inconsolável que permaneceu por muito tempo. Mais mamadeira. Nada parecia demovê-la.
Sentia uma cólica leve. Fui ao banheiro e havia sangue vivo, não muito. Avisei o Eduardo. Maria aos berros em minha cama, em soluço sentido. Abracei-a bem juntinho de mim. Beijei-a. Avisei-lhe que tudo estava bem e que ela podia relaxar e dormir. Enquanto minha cólica se intensificava, Maria calou-se e sobraram apenas os soluços e respiração ofegante, estremecendo todo seu corpinho. Por fim adormeceu.
Conciliei o sono depois de quase uma hora. Sonhei que expelia um menininho de uns 10 centímetros. Quase uma réplica de um boneco que ganhei na infância. Estava vivo mas sabia que não sobreviveria. Sofri o primeiro luto nesse momento.
Acordei pouco depois das cinco, travada de dor. Uma dor latejante, constante e intensa que dominava o quadril e as costas. Fui ao banheiro e havia muito sangue. Disse ao Eduardo que precisava ir ao hospital. Maria estava dormindo profundamente. Eu não alarmaria minha mãe a esta hora. Eduardo ficou com Maria e me dirigi ao hospital.
“Colo fechado e muito sangramento”, disse a enfermeira.
“E que significa isso?”, perguntei-lhe.
“Risco de aborto ou aborto retido”. A resposta foi delicada, ainda que direta.
Sofri o segundo luto neste momento.
Faria uma ultrassonografia. Eduardo chegou e senti-me amparada, protegida. Contei-lhe meu sonho.
Aguardei o exame por mais de três horas (o que acho um exagero... ainda que refletindo que sou uma privilegiada, que usufruo de serviço privado de saúde, e compadecendo-me dos que utilizam a rede pública).
A imagem mostrou uma mancha de contorno irregular, talvez o saquinho gestacional.
O médico me acolheu, receitou medicamento. Disse que seria expelido naturalmente em mais poucos dias. Eduardo me abraçou, me acariciou.
Voltei para casa e liguei para minha mãe. Permiti-me chorar enquanto dava-lhe a notícia. Sofri o terceiro luto. E senti-me aliviada e recomposta depois de falar com ela. Que bom ter minha mãe.
Maria chegou da escola toda cheia de alegria. Dormimos durante a tarde. Encaminhei-a para a casa da vovó. Aqui sigo com pequena cólica.
Sempre acreditei que a natureza segue seu curso e assim deve ser. O que senti foi pesar pelo fim de uma vidinha. Teria sido mais doloroso se fosse minha primeira gestação.
O que ficou foi a certeza da simbiose com minha Maria. A dor também era dela.

Um comentário:

  1. Poucas palavras neste mundo podem te confortar neste momento.
    Independente do seu credo, há uma força majestosa que esta no controle de tudo. E é esta força que vai te amparar e fazer você seguir adiante.
    Acredite! Há projetos maravilhosos escritos para vc.
    Um grande abraço.

    Vivi, do www.mamaeatomica.blogspot.com

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